Governo americano tenta sufocar políticas de diversidade até fora dos EUA: será este o ‘novo normal’ na era Trump?

Londres – Menos de cinco anos após os avanços em Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) desencadeados pelo assassinato de George Floyd, em maio de 2020, o mundo presencia um retrocesso drástico nessa área, que se acentuou significativamente após a posse de Donald Trump.

Embora fosse esperada uma mudança de rumo sob o novo presidente dos EUA, que nunca fez segredo de suas opiniões negativas sobre ações inclusivas, a extensão das medidas implementadas e o clima de “caça às bruxas” que se instalou, atingindo até empresas estrangeiras, são impressionantes. 

Indo além das críticas ao politicamente correto, o Presidente Trump implementou duas ordens executivas em janeiro de 2025 com o objetivo de desmantelar todos os programas federais de diversidade, equidade e inclusão e acessibilidade (classificados como DEI ou DEIA), classificando-os como “ilegais e imorais” e um desperdício de recursos públicos.

Como Trump decretou o fim das políticas de diversidade

A ordem executiva intitulada “Ending Radical And Wasteful Government DEI Programs And Preferencing” determinou o fim desses programas em praticamente todas as operações do Governo Federal.

Foi estabelecida a política de que práticas de emprego federais devem recompensar a iniciativa individual, habilidades, desempenho e trabalho árduo, sem considerar fatores, metas e políticas de DEI ou DEIA. 

Esta ordem também exigiu o fim de todos os departamentos e posições de DEI, de DEIA e de “justiça ambiental”, todos os “planos de ação de equidade”, ações, iniciativas ou programas relacionados à equidade, e todas as exigências de desempenho de DEI ou DEIA para funcionários, contratados ou beneficiários de bolsas de estudo.

Adicionalmente, as agências federais foram instruídas a fornecer ao Diretor do “Office of Management and Budget” (OMB) uma lista de todos os programas e gastos relacionados a DEI, DEIA e “justiça ambiental”, bem como dos contratados e beneficiários de bolsas federais envolvidos nessas áreas desde janeiro de 2021.

Outra ordem executiva, “Ending Illegal Discrimination and Restoring Merit-Based Opportunity”, revogou a Ordem Executiva 11246, que exigia que contratados federais implementassem programas de ação afirmativa.

Alerta da Harvard Law School sobre o impacto de Trump na diversidade do setor privado

Em tese, as medidas aplicam-se apenas a órgãos do governo. Mas um estudo da Harvard Law School advertiu que os empregadores do setor privado monitorem cuidadosamente o cenário, pois, embora não sejam o alvo primário, podem ser objeto de investigações e processos com base em informações sobre programas de DEI solicitadas por órgãos reguladores.

Essa influência no setor privado já começou a se concretizar, inclusive sobre empresas de mídia. Na semana passada, o presidente da Federal Communications Commission (FCC) anunciou a abertura de uma investigação sobre as práticas de diversidade da Walt Disney Company e da rede ABC, sob alegação de possíveis violações das regulamentações de igualdade de oportunidades de emprego.

Brendan Carr, presidente da FCC nomeado por Donald Trump, expressou o desejo de garantir que a Disney encerre todas as iniciativas discriminatórias de fato, e não apenas no nome.

Investigações semelhantes foram anunciadas para Comcast e Verizon. A Disney, inclusive, já havia revisado suas políticas de remuneração de executivos para remover diversidade e inclusão como métrica de desempenho.

Reação internacional às políticas anti-diversidade de Trump

Enquanto isso, em linha com a advertência da Harvard Law School, a DEI vai sendo abandonada voluntariamente, mesmo fora dos EUA.

O jornal Sunday Times apontou que a gigante britânica de publicidade WPP removeu todas as referências a “diversidade, equidade e inclusão” de seu relatório anual, publicado na semana passada. O relatório anterior mencionava a empresa como uma “líder em diversidade” três vezes.

Segundo o jornal, o CEO do grupo, Mark Read, declarou a acionistas que “muita coisa mudou em relação ao ano passado devido a circunstâncias políticas”.

Mais de 200 empresas americanas removeram referências a “diversidade, equidade e inclusão” de seus relatórios anuais desde a eleição de Trump, segundo o Financial Times. 

Investigações de Trump contra a diversidade em universidades

O governo Trump também direcionou suas ações contra instituições de ensino. Mais de 50 universidades estão sendo investigadas por suposta discriminação racial como parte da campanha para acabar com programas de DEI que, segundo autoridades, excluem estudantes brancos e asiático-americanos.

O Departamento de Educação emitiu um memorando alertando escolas e faculdades que poderiam perder financiamento federal por “preferências baseadas em raça” em admissões, bolsas de estudo ou qualquer aspecto da vida estudantil. 

A maioria das novas investigações se concentra em parcerias de faculdades com o PhD Project, uma organização sem fins lucrativos que ajuda estudantes de grupos sub-representados a obterem diplomas em negócios, com o objetivo de promover a inclusão no mundo empresarial. 

Cartas de Trump a Empresas Europeias e a Conformidade com Políticas Anti-Diversidade

Donald Trump não pode punir empresas que não operem no país que governa. Mas, em sua batalha contra a diversidade, pode ameaçar companhias que façam negócios com os EUA, e isso também já começou a acontecer.

O Financial Times e o Politico noticiaram na semana passada o envio de cartas da administração Trump a grandes empresas europeias por meio de suas embaixadas, avisando que fornecedores ou prestadores de serviços ao governo americano devem cumprir as ordens executivas que proíbem programas de DEI.

Elas deverão preencher um questionário de conformidade.

A carta enviada pela embaixada dos EUA em Paris afirmava que os contratados do Departamento de Estado devem certificar que não operam programas de DEI que violem leis antidiscriminação aplicáveis e concordar que tal certificação é fundamental para as decisões de pagamento do governo.

Rejeição europeia à interferência de Trump na diversidade corporativa

A reação de governos do bloco europeu, como o da França e da Bélgica, foi de forte rejeição, considerando a ação uma interferência americana inaceitável em suas políticas internas.

A Ministra da Igualdade de Gênero da França, Aurore Bergé, afirmou que ela não impedirá suas empresas de promoverem progresso social e direitos sociais.

O Vice-Primeiro Ministro belga, Jan Jambon, declarou que a Europa tem uma cultura de não discriminação e não tem lições a aprender dos Estados Unidos. O Ministério do Comércio da França considerou inaceitável a interferência americana.

O futuro da diversidade em um cenário político influenciado por Trump

Mas até onde poderá ir a resistência? E como esse movimento influenciará empresas americanas não reguladas ou estrangeiras que não façam negócios com os EUA, mas que se inspiram nas práticas das corporações da maior economia do mundo?

Com a mudança no cenário impulsionada pelos EUA, algumas empresas podem sentir que não enfrentarão mais as mesmas crises de imagem ao reduzir ou abandonar seus programas de DEI − e esse retrocesso pode virar o “novo normal”, fazendo o mundo andar muitas casas para trás na busca por igualdade.

A esperança pode estar nas mãos de líderes corporativos e profissionais de comunicação que encontrem formas criativas de manter a chama viva, esperando que a tempestade que se abateu sobre a DEI um dia passe.

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