Dizem que Vinho do Porto é como caviar: todo mundo já ouviu falar, mas poucos experimentaram e conhecem de fato. Um dos vinhos mais antigos do mundo, o Porto segue sendo produzido com muito respeito à tradição na região do Douro, em Portugal.
E o que o faz tão diferente dos outros é o fato de ser um vinho extremamente doce. Por isso, é servido prioritariamente como um elemento de sobremesa.
Mas o vinho do Porto vai muito além disso. Quem garante é José Luiz Mattos, sommelier, diretor e professor da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC) que agora faz parte do seleto grupo de 140 profissionais de todo o mundo com a certificação CPE – Certified Port Educator – concedido pelo Instituto Vinhos do Douro e do Porto (IVDP).
Conversei com José Luiz em Florianópolis, onde ele mora, para aprender mais sobre os surpreendentes vinhos do Porto e para saber detalhes sobre o intenso treinamento do qual participou, em Portugal, para se tornar um educador certificado pelo Instituto.
Para ser selecionado para o curso do IVDP você teve que provar que já sabia muito sobre vinhos do Porto. Ao chegar lá, qual foi o aprendizado que mais te surpreendeu?
A gente está muito acostumado com o vinho do Porto na sobremesa, porque ele é realmente muito doce. Para se ter uma ideia, eles podem apresentar até 130g de açúcar por litro, enquanto os vinhos secos têm no máximo 4g de açúcar.
Mas durante o curso eu participei de refeições de cinco passos, da salada à sobremesa, passando por três pratos principais, todos harmonizados com o vinho do Porto. Para mim isso foi muito surpreendente.
De onde vem todo esse açúcar do vinho do Porto?
O vinho do porto começa a ser feito como qualquer outro, a partir da fermentação das uvas. Mas, diferente dos vinhos secos, em determinado momento da fermentação coloca-se aguardente no vinho para interromper o processo de fermentação. Como resultado, “sobra” muito açúcar não consumido pelas leveduras no vinho.
Por isso também ele é um vinho com teor alcoólico bem alto, variando entre 19% e 22%, enquanto um vinho seco dificilmente passa dos 13, 14% de álcool.
Quais são os tipos de vinhos do Porto e qual a diferença entre eles?
Temos basicamente quatro estilos: Dois tintos, que são o Porto Ruby e o Porto Tawny – e a principal diferença entre eles é que o Tawny tem amadurecimento em madeira – além do Porto Branco e do Porto Rosé.
Para os tintos e brancos, teremos várias outras classificações, seja por idade ou por forma de amadurecimento. Então temos muitas variações dentro desses estilos.
Muita gente costuma deixar o vinho do porto, mesmo depois de aberto, como decoração no bar da casa. Mas depois de aberta a garrafa, quanto tempo ela pode ficar aberta?
Essa ideia de que o vinho do Porto é uma coisa “chique” que serve para enfeitar o bar da casa é bem antiga. E tem um fundo histórico. O vinho do Porto era o vinho que se bebia nas cortes portuguesa e inglesa. Então, vamos imaginar, quando Dom João ou Dom Pedro abriam uma garrafa de vinho, essa garrafa não era só pra eles. Todos que estavam na mesa bebiam e a garrafa durava apenas uma refeição.
Hoje, aqui no Brasil não. Geralmente usa-se o vinho do Porto como pós-refeição, um pequeno cálice por pessoa. Aí uma garrafa dura muito mais.
O elevado teor de açúcar faz com que ele aguente bem mais tempo guardado do que um vinho seco, mas em algum momento ele também vai oxidar e você vai começar a sentir as notas de ferro, aquele gosto de sangue na boca.
Qual é a condição ideal de armazenamento?
Se você abriu hoje uma garrafa do Porto e não vai beber ela toda, guarde bem fechada na geladeira. O indicado é não passar de 30 dias, mas eu já fiz experiências em que o vinho do Porto durou mais de 80 dias na geladeira sem perder as características originais.
Na hora de servir ele vai estar gelado então?
Aqui no Brasil, por essa tradição das garrafas decorativas, bebe-se o vinho do Porto na temperatura errada. O Porto branco tem que ser bebido bem geladinho, a sete, oito graus. A mesma temperatura que se bebe um branco seco. O porto tinto deve ser consumido na mesma temperatura dos tintos secos, entre 15 e 18 graus.
Assim você vai conseguir identificar uma série de aromas, os sabores, sentir acidez, porque a temperatura mais fria diminui a percepção do álcool.
E sobre taças, qual é melhor para vinhos do Porto?
A taça de vinho do porto é menor do que as taças comuns, para que seja servida uma quantidade menor. Se você servir muito, vai ficar enjoativo. Muita gente usa pequenos cálices também.
Mas olha que interessante: em todas as refeições harmonizadas servidas no curso do Instituto do Porto e do Douro foram utilizadas taças de vinho branco – essas normais que todo mundo tem em casa – para o Porto Branco e para o Rosé e taças de vinho tinto para os Portos tintos.
Isso mostra que, independente da taça, o importante é servir pouco. No máximo 50ml.
Como foi o processo para obter a certificação de formador?
Essa certificação do vinho do Porto é realizada duas vezes por ano, com turmas de no máximo 10 pessoas. Então você participa de um processo seletivo e, se escolhido, passa uma semana na cidade do Porto, em Portugal, tendo aulas teóricas e degustações, visitando vinícolas, fazendo refeições harmonizadas.
Para obter o título são feitas uma prova escrita, uma prova de degustação e uma prova prática. Atualmente são 140 certificados em todo o mundo, alguns brasileiros entre eles.
Você começou falando que se surpreendeu com as harmonizações que experimentou durante o curso. Vamos terminar com algumas sugestões? Como podemos experimentar os vinhos do Porto em momentos menos óbvios que a sobremesa?
Os estilos branco e rosé podem ser usados em vários tipos de coqueteis, como o Portônica.
O branco vai muito bem com saladas que tenham frutas críticas, queijos macios e folhas, e até mesmo em pratos com peixe cozido.
O tinto Ruby (nos estilos LBV e Vintage) pode ser degustado com um cordeiro feito em cozimento longo, com especiarias que vão dar um tom adocicado.
O Tawny fica muito bom com carne suína que tem sabores adocicados também.
Para não fugir da sobremesa, especialmente agora que estamos perto da páscoa, vale harmonizar chocolate 70% com Porto Ruby. Ainda receitas que trazem ovos, nozes e amêndoas vão muito bem com Tawny e com brancos que tenham indicação de idade. Vai ficar um espetáculo!
