Trump inaugura nova era de controle da imprensa na Casa Branca: o que isso significa para o futuro do jornalismo?

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, iniciou seu mandato de forma combativa, defendendo agressivavente as políticas do governo Trump e, muitas vezes, imitando os métodos usados por Donald Trump para exercer controle sobre a grande imprensa. 

Confrontada recentemente com uma pergunta legítima de um repórter da Associated Press (AP) questionando a introdução de tarifas por Trump contra vários países, ela acusou o repórter de duvidar de seu conhecimento de economia. E então o dispensou, dizendo:

“Agora me arrependo de ter deixado a Associated Press fazer uma pergunta.”

A AP é uma das principais organizações de mídia que cobre a Casa Branca. Maior agência de notícias dos EUA, suas reportagens são veiculadas por veículos de notícias em todo o mundo. Mas recentemente, foi ejetada do “press pool”  que acompanha as atividades da Casa Branca

A exclusão, em meados de fevereiro, aconteceu em reação à recusa a denominar o Golfo do México “como Golfo da América”, depois que Trump mudou o nome por meio de ordem executiva.

Em seguida a Casa Branca anunciou  que assumiria maior controle do credenciamento da imprensa e escolheria quais meios de comunicação teriam maior acesso ao presidente Trump. É provável que as escolhsa se baseiem em uma cobertura favorável e não na qualidade do jornalismo praticado. 

Controle da imprensa por Trump: efeito sobre a função de ‘watchdog’

Para entender como isso é significativo, é importante primeiro afirmar o propósito fundamental do jornalismo em uma sociedade democrática, que é o de responsabilizar os poderosos. Isso é conhecido como função “watchdog” [cão de guarda, em tradução livre]

O trabalho dos repórteres do Washington Post Bob Woodward e Carl Bernstein na denúncia do Escândalo Watergate na década de 1970 é frequentemente apontado como o padrão ouro do jornalismo de vigilância.

Em última análise, as reportagens levaram à renúncia de Richard Nixon como presidente e à prisão de seu advogado, John Dean.

Como funciona o pool da imprensa 

“Pooling” descreve o processo pelo qual uma organização ou indivíduo importante tenta supervisionar o escrutínio jornalístico, controlando o acesso. O rei Charles, por exemplo, também comanda um pool de imprensa.

O processo funciona em duas etapas. Primeiro, organizações de notícias ou jornalistas individuais candidatam-se a membros do grupo. Em seguida, alguns jornalistas do grupo são selecionados todos os dias ou semanas para acesso.

Estes jornalistas – por meio do contrato de pool – são obrigados a compartilhar as informações que recolhem com os outros jornalistas do pool, o que muitas vezes leva a um conteúdo mais genérico. 

Assim, embora as organizações políticas ou os indivíduos da elite possam afirmar que o sistema de agrupamento é utilizado como uma ferramenta benigna e justa para gerir o interesse consistente da imprensa, na realidade é uma arma de controle das comunicações.

A imprensa credenciada na Casa Branca

O pool de imprensa da Casa Branca foi estabelecido pela primeira vez sob o presidente Dwight Eisenhower como um reflexo do crescente número de jornalistas baseados em Washington. Mas na era moderna, o uso de pooling foi mais controverso durante e após a primeira Guerra do Golfo, no início de 1990.

Em vez de percorrer os campos de batalha do Iraque e do Kuwait, a maioria dos repórteres ocidentais cobriu o conflito a partir do centro de mídia em Dhahran, Arábia Saudita, a 250 milhas da fronteira com o Kuwait.

Ali eles foram alimentados com a informação que os militares dos EUA queriam que o público soubesse. Um pequeno número de jornalistas reunidos foi então ocasionalmente acompanhado por tropas dos EUA para o campo de batalha, no que era um caso claro de censura por meio de limitação de acesso e de perspectiva.

Esta dinâmica de poder entre militares e imprensa – e a subsequente incompatibilidade entre a realidade da guerra e o relato dela– levaram o filósofo francês Jean Baudrillard a declarar num ensaio de 1991, publicado pelos jornais Liberation e The Guardian, que “A guerra do Golfo não aconteceu”.

O General “Stormin” Norman Schwarzkopf’s, famoso como o  “homem mais sortudo do Iraque” é um exemplo de como o briefing indica a estreita relação que se desenvolveu entre militares e profissionais da comunicação social durante o conflito.

Schwarzkopf mostrou aos jornalistas imagens tiradas pela mira de um bombardeiro norte-americano de um carro particular iraquiano que passava por uma ponte momentos antes de um ataque aéreo dos EUA o destruir.

É possível ouvir os jornalistas rindo com Schwarzkopf enquanto assistem a esta fuga da sorte.

O legado do Vietnã – guerra sem censura da imprensa

Apesar do senso comum  de que o escrutínio é uma parte importante do sistema de funcionalismo público, o legado da Guerra do Vietnã – um conflito que os EUA foram percebidos tanto em casa como em todo o mundo como tendo perdido – levou a uma desconfiança significativa dos jornalistas.

O analista de mídia norte-americano Daniel Hallin referiu-se ao Vietnã como o “guerra sem censura”. Com isto ele quis dizer que os jornalistas gozavam de uma liberdade sem precedentes –, exacerbada pelo meio relativamente novo de televisão, que trazia imagens nítidas da guerra diretamente para as salas de estar das pessoas.

Em fevereiro de 1968, os briefings diários dos militares dos EUA do Rex Hotel em Saigon ficaram conhecidos como “five o’clock follies ”, por conta do abismo entre a narrativa oficial do progresso da guerra e o que estava sendo relatado por jornalistas que se aventuraram no campo.

Os militares apresentavam consistentemente uma narrativa positiva – em forte contraste com a análise do célebre jornalista da CBS Walter Cronkite:

“Dizer que estamos atolados em um impasse parece a única conclusão realista, mas insatisfatória.”

O Vietnã poderia ter sido uma oportunidade para os governos pensarem sobre sua obrigação com a verdade e a exigência de serem mais éticos em sua abordagem.

Em vez disso, a sensação em Washington era de que a cobertura desfavorável da imprensa tinha perdido a guerra e que os jornalistas precisavam de ser restringidos.

Controlando a narrativa

A recente decisão da administração Trump de assumir a seleção de jornalistas do grupo da Associação Correspondentes’ da Casa Branca, notoriamente independente, não é surpreendente.

A abordagem é consistente com a recusa de Trump durante sua primeira presidência em responder a perguntas de jornalistas que tentaram realizar a função de vigilância da imprensa.

Também se enquadra na abordagem eleitoral de Trump em 2024, quando ele evitou os meios de comunicação tradicionais, concentrando-se nas redes sociais e aparecendo nos podcasts de Joe Rogan e André Schulz, por exemplo.

Para este fim, as decisões da Casa Branca equivalem a uma tomada de poder contra a instituição do jornalismo moderno – mesmo que grande parte dos meios de comunicação dos EUA tenha estado escravizada pelos poderosos desde o Vietnã.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Converesation e é republicado aqui sob licença Creative Commons. 


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