Em Babygirl, um thriller sobre sexo e poder

Em um cinema lotado, as reações a certas cenas de Babygirl são um mix de espanto, risadas e interjeições.
A diretora e roteirista Halina Reijn construiu um thriller erótico que remonta a expoentes dos anos 80 e 90 como Instinto Selvagem (1992) e Proposta Indecente (1993), trazendo um frescor em retratar cenas íntimas de forma intencionalmente esquisita, por vezes até desconfortável, tal como as vivemos no mundo real.
Não só isso, o filme tem um olhar feminino em cada detalhe e um excelente match entre um representante da Gen Z – confiante e sem tanto respeito por autoridade – e uma baby boomer que tenta se ajustar a um ideal de perfeição e sucesso ditado por convenções sociais.
Na trama, Romy (Nicole Kidman) é uma CEO que à primeira vista parece ter uma vida perfeita. No entanto, essa fachada esconde a repressão de sua própria sexualidade em um casamento de quase duas décadas com Jacob (Antonio Banderas) em que Romy nunca experimentou um orgasmo. Sua vida muda completamente quando Samuel (Harris Dickinson), estagiário em sua empresa, entra em cena.
As performances são memoráveis: Harris Dickinson transita magistralmente entre o dominador e o vulnerável, enquanto Nicole Kidman exibe uma dedicação impressionante. O roteiro acerta ao retratar a relação entre Romy e Samuel como um experimento emocional: ela, dividida entre o ridículo e a curiosidade; ele, descobrindo o impacto do próprio poder.

Não é à toa que o filme caiu nas graças da Gen Z, com milhares de vídeos das cenas icônicas viralizando nas redes. Halina retrata bem essa geração ao mostrar um Samuel que não se assusta com o fato de Romy ‘ser uma CEO’. Ele também consegue sentir o que ela quer antes que ela mesma saiba, e tem um perfil experimentador, pouco preocupado com categorias e moralidade. Em paralelo, ela se vê igualmente indignada e seduzida.
O filme também desafia expectativas ao não transformar o marido de Romy em vilão; Jacob é apenas um homem incapaz de compreender os desejos e as necessidades da esposa, ainda que soe estranho que, em 19 anos de casamento, eles nunca tenham abordado determinados assuntos tão cruciais para um relacionamento íntimo.
O fato é que o roteiro evita maniqueísmos e abraça as inúmeras dimensões do ser humano: Romy é mãe,  esposa, CEO, mulher, tem desejos, assiste pornografia, trai o marido etc.
Nesse sentido, é interessante falar sobre Esme (Sophie Wilde), a assistente de Romy. Ela é retratada como uma excelente profissional e, em repetidos momentos, pede a Romy para falarem de sua carreira, de sua promoção: mas isso sempre fica para depois.
Ao descobrir o affair da gestora, Esme a coloca contra a parede, deixando claro que o momento de sua promoção chegou. Esme afirma não querer derrubar Romy, pois ela é uma das poucas mulheres que ‘chegaram lá’. Ainda que não exista outro nome para isso que não seja chantagem, a assistente realmente sentia falta de reconhecimento e, convenhamos, não seria vantagem nenhuma derrubar Romy para que outra pessoa, possivelmente um homem, ocupasse seu lugar.
A dualidade retratada no filme é outra: as dinâmicas de poder dentro da sociedade (entre homem e mulher, jovem e velho, chefe e empregado). Isto poderia ter resultado numa obra muito sisuda, mas Halina evita isso com o uso do humor ao longo da narrativa. Sem contar a trilha sonora do filme, que faz um mix entre músicas pop icônicas e composições originais de Cristobal Tapia de Veer (o mesmo de The White Lotus), que intensificam a atmosfera, além de trazerem ritmo.
Não dá para deixar de mencionar a cena em que Harris Dickinson dança ao som do clássico de George Michael, Father Figure, fazendo com que os espectadores saiam do cinema querendo escutar. (Desde o lançamento de Babygirl nos Estados Unidos, segundo o Spotify, as reproduções da música registraram um aumento de quase 300%.)
Mas o que eu realmente amei no filme é que Halina faz um estudo fascinante sobre o que acontece quando encontramos alguém que nos enxerga com assustadora clareza. A sensação de nudez que isso traz.
Há algo de perturbador e irresistível na forma como Samuel se conecta com Romy. Algo parecido acontece na série Fleabag, em que o padre era o único personagem que conseguia enxergar a protagonista quebrando a quarta parede, ou seja, sua versão sem máscaras.
Para algumas pessoas, a resolução de Babygirl pode ser desconcertante, já que Halina quis propositadamente fugir dos desfechos punitivos do gênero, mas isso pode dizer mais sobre a moralidade intrínseca do espectador do que sobre o filme em si. De qualquer forma, quem disse que isso significa um final feliz?
Nastacha de Avila é fundadora da salvo, uma plataforma de conteúdo sobre literatura, cinema e arte.
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